BREVE HISTÓRICO DOS GUARANIS MBYAS
Seu João tem 82 anos, atual
cacique pajé da aldeia, puxa da memória e conta a história de seu povo: “Eu vou
começar quando nós vem de lá, de Santa Catarina, eu nasci lá em Santa
Catarina.” Seu Salvador da Silva, o cacique anterior e pai de Seu João, saiu
aqui do Rio de Janeiro para morar em Limeira, Santa Catarina. Das lembranças da
infância, Seu João conta que a princípio havia muito mato em Limeira, e os
Guaranis quase não tinham contato com o branco, não falavam sua língua: “eu
nasci no meio da mata, meu pai, ele cacique, (...) naquele tempo quase não
via-se um branco, então nós vivia assim no meio da mata (...) só precisava
falar lá alguns nomes de objetos, da alimentação e não chamar o bem pelo mau,
chamava algumas coisas, aí já é bom.”
Os guaranis viviam da venda do
milho e do feijão que cultivavam em suas terras que eram férteis, mas terra
menor, menor que a dos kaingang, que dividiam o território com eles. Eram duas
nações dividindo um só território.
Em 1982 chega a FUNAI trazendo
consigo a estrada e as casinhas madeira, construídas com a araucária da região,
uma para cada família, assim, com a ajuda dos kaingang que sempre tiveram mais
contato com os brancos, a FUNAI acabou com a reserva de araucária da região,
fazendo casinhas e vendendo o restante construído um posto indígena: muito
“kaingang começou a levantar o posto
indígena, aí que ele pediu pra nós ajudar também, aí nós ajudamos, eu ajudei
desde criança, eu ajudei kaingang.”
Os kaingang eram maioria: “então
nós temos um posto indígena (...) ele pertence dos dois tribos: “o guarani e o
índio kaingang também, mas é maioria kaingang, a minha parte é mais menor (...)
tinha chefe kaingang que comanda tudo, agora tinha cacique sempre, mas sempre
foi menor que kaingang cacique guarani.” Os Guarani não tinham autonomia:
“cacique do kaingang tem que orientar, e essas coisas sem a ordem deles não
podia nem vender”. Então eles decidiram sair de Limeira, como conta também Seu
Luiz, o vice-cacique: “houve desentendimento com guarani e kaingang também. A
área é mais pequena do guarani, então a área dos kaingang era mais grande.
Então o cacique dos kaingang queria tomar posse de toda a área. Então o guarani
era mais pequena, então começava a entrar pela nossa, os kaingang, tinha
mestiço kaingang também, com branco, então entrava mais para nossa área, cada
vez ficava mais pequena. Eu sei que os guarani obsercam que não dava mais de
ficar e resolvem sair também.”
Mudaram-se para o Paraná, para a Ilha da Cutinga; ilha onde
já moravam duas famílias Guarani. Lá ficaram de 1982 a 1987. As lideranças, que
eram as mesmas de Santa Catarina, agora livres do controle dos kaingang
conseguiram fazer com que a tribo se organizasse melhor, de forma mais
independente, num território só de guarani: “antes, quando kaingang mandavam em
nós, cacique não podia fazer sozinho as coisas (...), então quando se
organizava na ilha já era diferente.” Mas, “a terra não era boa, terra muito
fraca também, e não tinha água, nem areia, água parada, não tinha jeito de
viver.”, continua Seu Luiz.
Nessa época o cacique foi para São Paulo, para uma
assembléia que reunia lideranças de todo o Brasil. Lá soube que os parentes que
moravam em Bracuí (em Angra dos Reis / RJ) estavam quase perdendo a terra por
falta de ocupação, só havia duas famílias vivendo no local, e nessas condições
não havia jeito de demarcar a terra. Primeiro fez-se uma visita ao local e logo
depois toda a tribo se mudou para Bracuí. Como o antigo cacique de Bracuí havia falecido, seu João tornou-se então
cacique da Tekoa Sapukai, que é como chamam a aldeia.
Começou a luta pela demarcação das terras do Bracuí, como
conta Seu João: “Papel era o que não faltava (...) depois nós conseguimos a
demarcação – acho que foi a organização do guarani, dos povos guarani do
Brasil. (...) O Projeto de Demarcação que os índios conseguiram em Brasília, em
1988, o direito, vencemos no dia 23 de novembro de 1993, aí que o pessoal tava
comentando, o pessoal da organização: daqui para frente vamos ver se lutamos
mais para ver se consegue...” O próximo passo foi a auto-demarcação: “tem que
fazer um movimento grande, fazer uma auto-demarcação, reunir com aldeia (...),
com o pessoal de Mato Grosso do Sul também, com próprio Cayoá... e fizemos
auto-demarcação, e para fazer auto-demarcação também fomos muito apoiado aqui
com o prefeito (...) e as entidades também apoiaram muito, (...) conseguimos 36
deputados assinando a favor nosso. (...) Então aí não foi muito difícil,
demarcamos a área logo, equipe da FUNAI veio para fazer demarcação deles. Até
agora nossa área está demarcada e homologada (...)
Em 1996, as três terras indígenas existentes no Rio de
Janeiro – terra indígena guarani do Bracuí, em Angra dos Reis; terra indígena
Araponga e terra indígena Parati-Mirim, localizadas no município de Paraty –
tiveram o processo de demarcação concluído e foram homologadas pelo Governo
Federal, reconhecendo-as oficialmente como terras tradicionais do povo guarani,
publicando no Diário Oficial da União os decretos que dão direito à posse
permanente dessas terras aos Guaranis.
Atualmente os Guaranis administram, em parceria com várias
instituições, os projetos que escolheram para desenvolver na comunidade, entre
eles a escolha bilíngüe, que já produziu uma cartilha Guarani para
alfabetização e um livro contando a história do contato com as outras pessoas.
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